Por:  Eleonora Cavalcante    

Em geral, as instituições de educação são estruturadas para viabilizar um ensino padrão, com propostas comuns para todos os alunos, sem considerar as diferenças que existem entre eles, uma vez que o ser humano vai se construindo no decorrer das suas experiências pessoais, que dependem de aspectos socioculturais, familiares, deficiências de ordem intelectual e, principalmente da formação educacional que recebe.

Acredito que grande parcela do “mal estar” que os alunos sentem na escola ocorre em função da incompetência de um sistema de ensino que ainda se volta para transmitir informações que estão em todos os lugares (portanto, pouco significativas), ao invés de promover espaços para que os sujeitos (professores e alunos) possam descobrir suas potencialidades, geralmente abafadas, em função de currículos extensos e pouco significativos, que terminam por referenciar práticas que só valorizam a reprodução e que não se traduzem em experiências significativas para ninguém.

Para ter sucesso nesse tipo de escola que ainda vigora em nosso país, é necessário submeter-se a situações quase sempre pouco desafiantes, que se condicionam muito mais às expectativas de quem ensina. Nem todos os alunos se submetem a isso, por motivos diversos. Alguns se rebelam, muitas vezes de forma inconsciente, e passam a se negar a realizar o que se espera deles; nesse caso, surgem os comportamentos dispersivos, indisciplinados ou não, acompanhados por falta de compromisso em relação ao cumprimento das atividades didáticas propostas. Outros se submetem ao sistema, valorizam tudo o que lhes solicitam, fazem tudo para obter sucesso acadêmico. Outros, não se sentem capazes de dar o retorno esperado, não acreditam em si mesmos, e por esse motivo, deixam-se levar pelo sistema, estigmatizados como “pouco inteligentes” ou “irresponsáveis”.

Se o sujeito que conduz o ensino não possibilita espaços para que o aluno possa se sentir valorizado em função de suas capacidades específicas, cria-se um fosso entre ambos. Muitas vezes esse fosso faz com o aluno se sinta incapaz, inferior aos demais colegas. Tal sentimento pode acarretar sintomas desagradáveis e prejudiciais, pois o seu desejo de mostrar-se é interditado pelo educador.

Durante a minha caminhada profissional como professora e assessora pedagógica e psicopedagógica, tenho me deparado com inúmeros casos de “mal estar na escola”. Pude perceber muitos alunos extremamente inteligentes que nunca tiveram sucesso escolar e, por isso mesmo, receberam rótulos diversos, como: pouco inteligentes, irresponsáveis, descompromissados, limitados, incapazes, entre outros.

Uma situação Real

No início do 2o semestre de 2010 avaliei uma criança do 3o ano, considerada pela professora como “limitada”, incapaz de ser promovida para o ano escolar seguinte, uma vez que os seus resultados verificados nos momentos avaliativos eram inferiores ao esperado. Descobri que a criança estava sendo vítima de um bloqueio emocional muito forte. Não acreditava em seu próprio potencial, sentia-se insegura diante da pressão sofrida pelos colegas que sempre se destacavam. No dia de entrega de instrumentos avaliativos, ela escondia os seus, sem sequer verificar os resultados. Ela tinha vindo de outra escola menor e quando se deparou com a situação nova, reforçada pela difícil separação dos pais, não foi capaz de dar o retorno que todos esperavam dela. Pude perceber que ao ficar calma, sem se sentir pressionada, era capaz de falar sem gaguejar e de expressar tudo o que havia aprendido durante as aulas. Em uma das intervenções, gravei o que ela falava a respeito de corpo humano (conteúdo de Ciências, proposto naquele momento). A professora ficou impressionada com a sua capacidade de estabelecer conexões, de se posicionar de forma crítica. Essa criança quase foi retida, mas felizmente conseguimos apoiá-la a se sentir mais segura, a acreditar em si mesma. Ficou em recuperação final, mas o novo olhar e ação da professora regente fizeram total diferença na sua vida. Tal experiência confirmou a importância da afetividade no processo de ensino e aprendizagem.

Em síntese, o mal estar na escola tem uma relação muito estreita com a forma como a própria escola se organiza e como os educadores conduzem o processo de ensinar e aprender. Enquanto as instituições de educação não se derem conta de que é necessário respeitar e valorizar a diversidade do ser humano em suas múltiplas facetas, evitando criar estereótipos de normalidade ou anormalidade, não atenderão as expectativas de muitos alunos, que ao não serem reconhecidos em suas potencialidades e nem apoiados a superar seus bloqueios emocionais, sequer terão consciência do que seriam capazes de ser e fazer, gerando perdas para toda a sociedade, carente de novos tipos de competências, quase sempre desprezadas nos espaços escolares.

“Sem desejo não há como chegar a lugar nenhum. O lugar nenhum é um espaço não preenchido, perdido no tempo, que não se traduz em criação e não gera felicidade.”